Eleições: um momento para repensar a gestão pública como um todo.

O Brasil pode aprender com outros países formas melhores de fazer a seleção das pessoas que ocupam os cargos de liderança nas equipes dos governos

Estamos diante de mais um processo eleitoral. Um momento para repensar a política no país – e também uma janela de oportunidade para incluir na agenda pública ações que visam a melhoria do serviço e das políticas públicas. As eleições aliam o momento político de renovação de chefes do Poder Executivo e da formação de novas equipes à chance de fazê-lo de forma mais efetiva, representativa e diversa, equilibrando competência e confiança política. Isso porque equipes e lideranças preparadas e com as competências necessárias impactam diretamente as melhorias almejadas para a administração pública. Segundo pesquisa Datafolha » Brasileiros defendem competência como principal critério para cargos de liderança no serviço público – Movimento Pessoas à Frente (movimentopessoasafrente.org.br) , encomendada pelo Movimento Pessoas à Frente, 78% dos brasileiros concordam que pessoas bem preparadas que ocupam cargos importantes de governo produzem impacto positivo em suas vidas. Mas, entre 2019 e 2021, passou de 43% para 48% os que acreditam que os ocupantes de cargos de liderança do serviço público do país não são os mais competentes. Mesmo assim, muitas vezes, os governos querem promover melhorias, mas negligenciam o recurso mais precioso do Estado: as pessoas. Sem elas, dificilmente conseguirão implementar os planos pelos quais foram eleitos.

Atualmente, são cerca de 12 mil cargos comissionados no governo federal e em governos estaduais em posições de liderança, de acordo com estimativa feita pelo Movimento a partir de dados do Estadic/IBGE (2019) e do Painel Estatístico de Pessoal (PEP)/Ministério da Economia (2019-2021). Embora seja comum que a formação das novas equipes de governo e a escolha das lideranças que as encabeçam – os dirigentes não políticos – sejam orientadas por princípios que não envolvam as competências para a ação dentro do serviço público, há várias formas de preencher essas vagas, para além da exclusiva indicação política. Algumas experiências já estão ganhando destaque em estados como Ceará, Sergipe, São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, por adotarem processos estruturados de pré-seleção. O mais interessante é que não se trata de processos que se confundem com concursos públicos, uma vez que não existe uma primazia do mérito sobre a confiança, mas da busca pelo equilíbrio entre os dois.

Apesar dessas experiências, porém, no Brasil, a maioria dos cargos públicos de alta direção se tornou apenas uma moeda de troca em alianças partidárias, de modo que o alinhamento político passa a ser o único critério para nomeação. Na prática, isso faz com que as lideranças das principais políticas e serviços públicos fiquem sob a liderança de pessoas que não necessariamente possuem as competências e o preparo necessário para exercer a função para a qual foram designadas.

OS GOVERNOS QUEREM PROMOVER MELHORIAS, MAS NEGLIGENCIAM O RECURSO MAIS PRECIOSO DO ESTADO: AS PESSOAS

Nesse contexto, a implementação de um Sistema de Alta Direção no Brasil – em nível federal e nos estados – poderia conferir maior efetividade aos governos eleitos. De acordo com a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), esse tipo de sistema permite construir uma camada de servidores públicos em posições de liderança que promovem um equilíbrio entre o que foi aprovado nas urnas e as necessidades da máquina pública. Das urnas vem a confiança da população, que será aplicada à máquina pública por meio de seus servidores, dos recursos existentes, humanos e financeiros, para que possam, da forma mais efetiva e eficiente possível, se transformar em políticas públicas e serviços para a população.

Há bons exemplos de Sistemas de Alta Direção no mundo, que podem servir de inspiração para o Brasil. Um deles é o do Reino Unido, onde recentemente o primeiro-ministro Boris Johnson renunciou depois de sucessivas crises e muita pressão da oposição. Embora seja uma monarquia constitucional, o caso do Reino Unido mostra como um bom Sistema de Alta Direção no setor público se torna ainda mais relevante em momentos de crise.

O serviço público britânico é muito bem estruturado e está sob a responsabilidade do gabinete do primeiro-ministro. Por lá, há uma posição importante para a manutenção do Sistema de Alta Direção: o chefe do serviço civil. Atualmente, este papel é de Simon Case, um servidor público em posição de liderança. Em caso de crise, como a troca de primeiro-ministro atual, sua
função é garantir que a estrutura do serviço público tenha estabilidade. Na prática, quem assume como primeiro-ministro tem liberdade para compor os ministérios, indicando ministros, chefes de gabinete e assessores diretos. Mas é o serviço civil que organiza as eventuais substituições por meio de um processo seletivo baseado em competências, a partir do desafio de cada um dos serviços públicos.

Isso garante profissionalização e estruturação dos serviços públicos com foco no resultado. Independentemente de quem esteja no governo, há pessoas aptas e capacitadas trabalhando dentro das regras do regime político estabelecido. A existência de um serviço civil focado para lideranças (senior civil service) garante estabilidade na construção e permite mudanças feitas de forma estruturada, que possam permitir ajustes de foco, mas não um rompimento brusco, com prejuízos na forma como se organizam os serviços prestados à população.

Outro bom exemplo do Sistema de Alta Direção vem do Chile, mais próximo de nós e com um regime presidencialista. O Chile criou uma política de pessoal para todo o Estado que permitiu, entre outros avanços, implementar um Sistema de Alta Direção com pessoas selecionadas por mérito e competência. Essa nova configuração das equipes de servidores públicos representou um salto de profissionalização dos ocupantes do alto escalão governamental. Os ganhos puderam ser percebidos, inclusive, na legitimidade do Estado perante os cidadãos. Ainda que o país viva uma grande mudança em sua configuração de poder, com uma possível consolidação do processo de reforma constitucional que vem sendo discutido desde 2019, a manutenção do Sistema de Alta Direção pública chileno parece ser uma realidade, com oportunidades de
melhoria, como processos seletivos com um olhar mais focado na promoção de diversidade.

Diante disso, os governantes brasileiros que saírem vitoriosos nos pleitos de outubro terão em suas mãos a oportunidade de montar suas equipes com mais transparência e maior compromisso com a real representação do povo brasileiro. Processos de pré-seleção capazes de equilibrar alinhamento político e competências, parte fundamental da estruturação de um Sistema de Alta Direção, são um instrumento de fortalecimento da democracia e deveriam ser amplamente difundidos em todo o país. Este pode ser o primeiro passo para efetivarmos uma Política Nacional de Lideranças em Governos!

Para ajudar a subsidiar a construção e a implementação desse Sistema, o Movimento Pessoas à Frente lançou o documento “Propostas para uma Política Nacional de Lideranças em Governos (» Propostas para uma Política Nacional de Lideranças em Governos – Movimento Pessoas à Frente (movimentopessoasafrente.org.br) ”, fruto de um trabalho colaborativo, que traz propostas para subsidiar os principais desafios da gestão de lideranças no país. O serviço público precisa de lideranças mais diversas e preparadas para entregar melhores resultados para a sociedade e nestas eleições. A oportunidade é agora.

Diogo Lima é especialista em Gestão Pública pelo Insper e Coordenador de Portfólio da República.org. Compõe a Secretaria Executiva do Movimento Pessoas à Frente e o Comitê Técnico da parceria Vamos. Além de atuar com Gestão Estratégica de Pessoas, trabalhou durante quatro anos no serviço público municipal em posições de liderança nas áreas de desenvolvimento econômico e equidade racial.

Leticia Biaggioni é mestre em Gestão e Políticas Públicas pela FGV-SP, coordenadora de Articulação e Mobilização na Fundação Lemann, e atualmente lidera a Secretaria Executiva do Movimento Pessoas à Frente. Nos últimos dez anos, para além da pauta de Gestão Estratégica de Pessoas no Setor Público, já atuou nas temáticas de educação e segurança pública.

Movimento Pessoas à Frente busca construir coletivamente sugestões e conhecimentos com o objetivo de contribuir para uma gestão mais efetiva do Estado brasileiro. O grupo é formado por especialistas, parlamentares, integrantes dos poderes públicos federal e estadual, sindicatos e terceiro setor com visões políticas, sociais e econômicas plurais, e mantido pela Parceria Vamos, formada pela Fundação Lemann, Instituto Humanize e República.org.

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