Contraposição de dados entre PNAD Contínua e Caged mostra uma completa ignorância do ministro sobre o tema
O IBGE é reconhecido internacionalmente como uma instituição de alto padrão na produção de estatísticas socioeconômicas. Produz informações da maior importância para as políticas públicas do país. Sua clientela vai desde prefeitos em busca de dados populacionais para o recebimento de transferências federais, passando pelo pessoal do mercado que precisa de informações sobre inflação e desemprego, até pesquisadores que utilizam seus dados em trabalhos acadêmicos.
Durante a pandemia, mostrou grande capacidade na rápida montagem de uma pesquisa inovadora – a PNAD Covid – que captou novas informações sobre o mercado de trabalho para ajudar no desenvolvimento de políticas que pudessem minimizar seus efeitos sobre a população.
Contraposição de dados entre PNAD Contínua e Caged mostra uma completa ignorância do ministro sobre o tema
Paralelamente, foi dada continuidade ao levantamento mensal realizado desde 2012 pela PNAD Contínua, que é a principal fonte de dados do país sobre o mercado de trabalho, tanto para o setor formal quanto para o informal. Tal pesquisa utiliza técnicas estatísticas modernas, produzindo estimativas a partir dos dados levantados em pouco mais de 200 mil domicílios. Por conta das dificuldades sanitárias, o IBGE deixou de realizar visitas domiciliares no ano passado, passando a utilizar entrevistas telefônicas, o que introduziu algumas dificuldades no
levantamento das informações. Recentemente, está voltando a realizar as visitas domiciliares.
Uma segunda fonte de dados é produzida mensalmente pelo Ministério da Economia, a partir do Caged, que é um registro administrativo montado com informações fornecidas pelas próprias empresas e que permite a contabilização do emprego formal gerado a cada mês. Trata-se de uma fonte de informações da maior importância, que complementa as informações da PNAD Contínua.
Como se vê, as duas pesquisas utilizam metodologias distintas e são complementares. Ao não considerar o setor informal (empregados sem carteira assinada, trabalhadores por conta própria e empregadores sem registro ou contribuição previdenciária), cerca de 40% do mercado de trabalho está sendo deixado de fora. Além disso, o Caged não contempla os militares nem os servidores públicos estatutários.
Não custa lembrar que os trabalhadores informais representam exatamente o público que foi beneficiado pelo auxílio emergencial durante a pandemia, cujas informações são levantadas pela PNAD Contínua. Por outro lado, o Caged possui as informações das pessoas que possuem emprego formal e que deveriam ser excluídas do recebimento do auxílio emergencial, contribuindo, portanto, para a montagem do cadastro de beneficiários do auxílio emergencial. Aqui fica ainda mais claro o papel complementar que os dois levantamentos possuem no estabelecimento de políticas públicas no país.
As recentes declarações do ministro Paulo Guedes, desqualificando o cálculo da taxa de desemprego levantada pelo IBGE através da PNAD Contínua, dizendo que ele utiliza métodos da “idade da pedra lascada” e afirmando que a metodologia do Caged é superior, mostra que o ministro, além de desinformado, está cometendo uma grande injustiça com a instituição.
Em primeiro lugar, a metodologia de levantamentos domiciliares é reconhecida internacionalmente como perfeitamente adequada, especialmente em países que possuem muita informalidade na economia e no mercado de trabalho, como é o caso do Brasil.
Em segundo lugar, se o país contasse apenas com levantamentos como o Caged, estaria ignorando uma parcela importante de seu mercado de trabalho, exatamente aquela que mais depende de políticas públicas para enfrentar as dificuldades do dia a dia. Além de não contabilizar o imenso contingente dedicado às atividades informais, o Caged tampouco investiga quem não está empregado, ou seja, os desempregados e a taxa de desemprego.
Em terceiro lugar, ao desqualificar a principal instituição pública do país no levantamento de dados socioeconômicos, o ministro está contribuindo para aprofundar ainda mais as dificuldades enfrentadas pelo IBGE no governo Bolsonaro. Por sinal, o governo já vinha dificultando a vida do IBGE há algum tempo. Alegando que o questionário do Censo era muito longo, mudou a presidência da instituição e a pressionou até obter a redução desejada. Posteriormente, não liberou a verba necessária para a realização do Censo que deveria ter ocorrido em 2020 e que não será realizado antes de 2022.
A atual pressão do ministro contra o IBGE teve início com sua insatisfação com a taxa de desemprego divulgada no final de julho, que contabilizou 14,8 milhões de desempregados. Ao contrapor tais dados aos números favoráveis de geração de empregos formais fornecidos pelo Caged, insinuou que os dados do IBGE estavam equivocados, pois não refletiam os bons resultados do mercado de trabalho. Ora, essa contraposição de dados mostra uma completa ignorância do ministro sobre o tema.
Embora tenham ocorrido algumas discrepâncias entre os dados das duas fontes de dados desde que o Caged modificou sua forma de levantamento no início de 2020, é perfeitamente possível que sejam gerados empregos formais ao mesmo tempo em que o desemprego cresce. Para isso, basta que esteja ocorrendo um retorno da população que se afastou do mercado de trabalho em 2020, em busca de um novo emprego, o que parece estar efetivamente acontecendo. Tal retorno acaba pressionando a taxa de desemprego.
A impressão que fica após as declarações infundadas do ministro da Economia na semana passada é que ele tem muita dificuldade para aceitar os dados negativos na economia, mas que não tem qualquer dificuldade para distorcer informações e desqualificar uma instituição como o IBGE.
Conforme a coluna de Bruno Carazza no Valor de 02/08/2021, “a situação sui generis enfrentada pelo IBGE hoje é que ele está hierarquicamente vinculado a um ministro que não apenas se recusa a apoiar a instituição, como não perde a oportunidade de denegrir sua imagem”.
Assim como a Fiocruz e o Butantã, que tiveram um papel importantíssimo para o país durante a atual pandemia, o IBGE precisa ser preservado e tratado com a merecida consideração. Sua existência representa um orgulho para o país
João Saboia é professor emérito do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected]
Escrito por João Saboia para o Valor Econômico