por Júlio Dutra
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 66/2023, atualmente prestes a ser aprovada pelo Senado, suscita profundas preocupações no âmbito jurídico e econômico. Ao modificar as regras do pagamento de precatórios, a proposta incide diretamente sobre a natureza jurídica dessa forma de pagamento, que é essencialmente uma fila cronológica de dívidas decorrentes de decisões judiciais. A manipulação política dos precatórios não só desfaz o caráter impositivo da decisão judicial como agrava injustiças que já afetam especialmente credores idosos.
Natureza Jurídica dos Precatórios
Os precatórios constituem representação formal da dívida pública reconhecida judicialmente. Tais créditos devem garantir aos beneficiários o recebimento integral dos valores devidos, respeitando a ordem de apresentação e pagamento. A natureza dos precatórios, fundamentalmente vinculada ao estado de direito, não deveria estar sujeita a conveniências políticas. Modificações que retardem ou diminuam o valor dos pagamentos comprometem a confiança depositada nas decisões judiciais, minando a segurança jurídica imperativa dos estados democráticos.
A Manipulação Política e Suas Consequências
A PEC 66/2023 introduz uma potencial injustiça ao permitir que governos estaduais e municipais renegociem suas dívidas com margem de manobra considerável, desfavorecendo credores já em situação vulnerável. A desvalorização real dos precatórios, com correção inferior à taxa Selic, prejudica os credores ao enfraquecer o valor econômico de suas demandas. Em alguns estados, como o Paraná, a fila de espera para o pagamento já se arrasta por 17 anos, realçando o impacto sobre empresas e indivíduos cujas vidas dependem dessas quantias.
Aspectos Econômicos e Oportunismo Fiscal
A proposta representa, ainda, um alívio para o governo federal, permitindo que os precatórios não sejam contabilizados no parâmetro fiscal, liberando recursos para outras despesas. Este ajuste, todavia, não resolve o problema estrutural das más gestões, apenas posterga suas consequências e transfere o peso para aqueles que já se encontram em espera prolongada por valores devidos. A longo prazo, essa política poderá levar a um aumento exponencial da dívida pública, gerando ainda mais insegurança econômica.
A PEC 66/2023 confronta a justiça e o ordenamento jurídico ao tratar de forma paliativa um problema gerado pela má gestão financeira dos entes federativos. A solução proposta retrata, na essência, um “calote institucionalizado”, cuja principal consequência será a erosão da confiança nas instituições. Cabe às autoridades e legisladores reconsiderarem o impacto dessa política, garantindo os direitos fundamentais dos credores, respeitando a autonomia e a realidade das decisões judiciais para preservar a integridade do estado de direito.
Dr. Júlio Dutra, advogado, jornalista, escritor e Presidente do DAPIBGE – agosto 2025