Como encarar melhor a aposentadoria e não se tornar um frustrado

Muitos vinculam identidade ao trabalho, o que torna mais difícil o início do período de adeus à vida profissional

Sempre planejei meu próximo estágio de vida olhando para homens alguns anos mais velhos que eu e tentando não me tornar como eles. (As mulheres tendem a responder de maneira diferente à vida, então as considero menos úteis como modelos negativos.) Nos meus 20 anos, ouvi homens na casa dos 30 falarem sobre hipotecas e a dificuldade de encontrar bons construtores em Londres. Na casa dos 30, observei mediocridades masculinas concluírem que eram deuses porque fulano se aposentou e eles receberam uma posição de poder –ou pelo menos uma coluna de jornal.

Agora vejo ex-funcionários seniores descontentes de 60 e 70 e poucos anos reclamando de um mundo que não precisa mais deles. Esse fenômeno remonta ao Rei Lear, mas está atingindo rapidamente o ponto de crise, dado o número cada vez maior de aposentados, complementado pelos milhões que encontraram a aposentadoria durante a pandemia. Enquanto sigo para esse estágio da vida, vou fazendo planos para lidar melhor com isso.

Confundir a própria identidade com a vida profissional torna a aposentadoria mais difícil

Muitos homens aposentados de hoje derivaram sua identidade de sua posição profissional. Uma vez que perdem isso, não lhes resta mais nada, exceto se tornar um perigo para seu ambiente.

Alguns anos atrás, na festa de aposentadoria de um amigo, parabenizei sua mulher pelo grande feito: seu marido era muito querido no trabalho, eu disse. Ela não se impressionou: “Contanto que ele não pense que pode começar a ficar em casa e desperdiçar meu tempo”. Mas é exatamente isso o que os homens aposentados tendem a fazer.

Depois de décadas tratando sua família como secundária para a carreira, eles se inserem num ambiente que aprendeu a viver tranquilamente sem eles. Daí o problema da síndrome do marido aposentado, que foi identificada pela primeira vez entre as mulheres japonesas, algumas das quais se referem a seus maridos como “nure-ochiba” (folha molhada caída).

O pensador administrativo Manfred Kets de Vries, em seu ensaio seminal de 2003 sobre “A síndrome da aposentadoria”, mostra por que os “líderes” (assim como muitos que não são exatamente líderes) têm dificuldade para “deixar rolar”. Essas pessoas investiram suas vidas no trabalho, negligenciando relacionamentos e lazer.

“A perspectiva de descer do topo do monte e se tornar um zé-ninguém é pouco atraente para eles”, escreve Kets de Vries. Descer pode ser particularmente difícil para a geração atual de ex-líderes do sexo masculino, porque eles desfrutavam desse direito: a aposentadoria garantida, o carro da empresa e, para alguns, até o direito de bolinar.

De repente, ninguém mais os teme. de Vries cita a reclamação de Harry Truman ao deixar a Casa Branca. “Há duas horas eu poderia ter dito cinco palavras e ser citado em 15 minutos em todas as capitais do mundo. Agora eu poderia falar durante duas horas e ninguém daria a mínima”. Homens aposentados temem que seus sucessores desfaçam seu trabalho e temem a vingança dos inimigos que fizeram no caminho.

Tudo isso tende a acontecer, observa de Vries, na fase da vida em que o corpo entra em declínio humilhante, de modo que a vítima sofre dois graves ferimentos narcísicos ao mesmo tempo. “Os arrependimentos tomam o lugar dos sonhos”, escreve, alertando. “Os velhos podem ser perigosos; eles geralmente se importam pouco com o que acontece com o mundo quando não o controlam mais”.

Qualquer homem que ruma para aposentadoria precisa realizar um exame de saúde. Tente se perguntar: qual é a probabilidade de que todas as mudanças desde o seu apogeu tenham sido para pior? Quais são as chances de sua antiga organização entrar em colapso sem você? Qual a diferença de idade entre você e a pessoa mais jovem que você está discutindo? Se você está citando pessoas importantes que conheceu na década de 1980, o efeito diminuirá se você tiver que explicar quem eram? Você está sendo vítima da falácia dos “bons velhos tempos”? Você está se tornando um Velho Chato?

Se você está tentando se manter relevante se tornando um mentor, pergunte a si próprio: seu aspirante a pupilo quer ser orientado? Quantos anos você tinha quando ouviu pela primeira vez sobre internet, mudança climática e diversidade? Em que ponto da sua carreira você começou a priorizá-los? Dado que a vida é diferente agora, quão útil pode ser o seu conselho?

É melhor desfrutar do seu poder enquanto você ainda o tem. Aprecie que você teve sorte, em vez de reclamar sobre o quão ocupado você está. Aceite que seu sucessor, que provavelmente virá de um grupo de talentos mais amplo que o seu, provavelmente será melhor que você. Supere-se: nem você nem sua morte iminente são um grande problema.

Enquanto isso, prepare-se para a aposentadoria, que, como a morte maior que está por vir, pode acontecer numa manhã quando você menos esperar. Faça aulas de pré-aposentadoria e, se puder, deixe o local de trabalho em etapas. Seja voluntário para ações beneficentes. Uma vez que você for posto de lado, não espere que sua antiga organização lhe dê alguma atenção. Não tente se tornar um motorista de banco traseiro ou um comentarista online não pago em tempo integral.

Você deve aproveitar a aposentadoria porque o próximo –e último– estágio da vida provavelmente será pior.

Por Simon Kuper (Financial Times), para a Folha de São Paulo.