O artigo da economista Wasmália Bivar, ex-presidente do IBGE, levanta preocupações graves sobre a atual gestão do Instituto. Concordo integralmente com suas colocações, que corroboram as minhas impressões técnicas sobre o desmonte das áreas administrativas do órgão e o preocupante descaso com servidores, especialmente aposentados e pensionistas.
O atendimento precário, remoto e desprovido de humanização, reflete uma falta de respeito com aqueles que construíram alicerces da instituição.
A ausência de atendimento pessoal e social na administração pública impõe prejuízos significativos tanto para servidores ativos quanto inativos, impactando negativamente a qualidade do serviço público e o bem-estar dos indivíduos. A restrição de concursos públicos imposta por governos recentes exacerba esse problema, desmantelando as relações interpessoais e contribuindo para a desumanização do serviço público.
A redução do quadro de pessoal leva a um aumento da carga de trabalho para os servidores restantes, comprometendo a eficiência e a qualidade do atendimento. A falta de interação humana, substituída por processos burocráticos e despersonalizados, gera frustração e impacta a motivação dos servidores, afetando seu desempenho e a satisfação com o trabalho. Para os servidores ativos, isso se traduz em estresse, sobrecarga e desgaste profissional, comprometendo sua saúde física e mental.
Para os servidores inativos, a ausência de suporte adequado, seja em relação a benefícios ou informações, contribui para o sentimento de abandono e isolamento. A falta de contato pessoal dificulta o acesso a informações cruciais e o esclarecimento de dúvidas, gerando insegurança e frustração.
A transformação do servidor em um mero número (matrícula SiaPE), em detrimento da consideração de suas necessidades e capacidades, contraria os princípios das melhores escolas de administração de pessoas. Uma gestão eficiente reconhece a importância do capital humano e investe em relações interpessoais positivas, valorizando a individualidade e promovendo um ambiente de trabalho saudável e produtivo. A falta desse enfoque resulta em uma administração impessoal e ineficiente, que prejudica a qualidade dos serviços prestados à população e compromete a moral e o bem-estar dos servidores, ativos e inativos. A ausência de atendimento pessoal e social na administração pública é um problema grave que afeta a eficiência do serviço público e o bem-estar dos servidores, demandando uma revisão urgente das políticas de gestão de pessoal e a valorização do ser humano por trás da matrícula SiaPE.
A destituição do coordenador do Censo Agropecuário, é – também – exemplo desse despreparo humano, pois o valor deste técnico ficou reduzido a sua contraposição por se opor à continuidade da coleta sem orçamento garantido para 2025.
As críticas dos técnicos, fundamentadas na inadequação de ações como a participação de políticos em prefácios de publicações oficiais, eventos fora da sede sem a participação maciça dos técnicos, acordos técnicos sem consulta interna e a desconsideração da demanda social por informações, são tachadas de “insatisfações corporativas”. São claros exemplos de falta de engajamento humano nessas questões.
Outra questão nublada que afeta os servidores é a busca incessante por recursos não públicos também é preocupante, pois as atividades financiadas por essas fontes externas correm o risco de serem direcionadas por interesses alheios à missão institucional, comprometendo a independência e a imparcialidade do IBGE, compromisso patente dos técnicos na casa.
O novo programa em parceria com o Serpro, para subsidiar políticas públicas preditivas, evoca a problemática da extinta Fundação IBGE+. A intenção de “estimular o desenvolvimento de novos negócios no mercado privado” e a obrigação de fornecer informações ao Serpro, não só geram insegurança e colocam em risco o sigilo das informações mas, afeta diretamente os técnicos considerando a complexidade ética do tema. O IBGE, assim como outros institutos oficiais, não deve se envolver em previsões, por causa da possibilidade de manipulação política dos dados e de comprometimento da credibilidade institucional.
Em resumo, a atual gestão do IBGE, conforme a precisa análise de Wasmália Bivar, demonstra uma tendência a priorizar ações superficiais e de curto prazo, em detrimento da solidez técnica e da credibilidade que são pilares da instituição e afeta também seus colaboradores servidores por desmonte do aparelho administrativo do órgão.
Júlio Dutra – Advogado, Sócio-Fundador e Presidente do DAPIBGE
Leia o artigo completo:
IBGE não faz previsões
Atual gestão aprofunda o desprezo e o desrespeito pelos técnicos
Por Wasmália Bivar – 26/06/2025
Desde o governo anterior, o corpo técnico do IBGE tem visto projetos institucionais atropelados por gestões incapazes de renunciar aos voluntarismos e aos ajustes a prazos e orçamentos inexequíveis.
Os técnicos se desgastam na defesa do projeto técnico institucional, a exemplo da recente destituição do experiente e qualificado coordenador responsável pelo Censo Agropecuário (ele foi contrário a manter a coleta para o próximo ano, diante da inexistência de orçamento em 2025 para que sejam cumpridas as etapas do planejamento, fundamentais para o êxito de um projeto tão grandioso). E, infelizmente, a atual gestão aprofunda o desprezo e o desrespeito pelos técnicos que detêm o saber institucional, acumulado ao longo da história.
Técnicos que têm assegurado a execução do plano de trabalho, a despeito do número insuficiente e da infraestrutura precária. Técnicos que veem suas críticas ser vilipendiadas pela narrativa de que se trata apenas de insatisfações corporativas, quando dizem que é inadequado políticos escreverem prefácios de publicações oficiais, realizar fora da sede eventos que deveriam contar com sua presença maciça, firmar acordos técnicos sem consulta interna e sem considerar a demanda da sociedade sobre as informações produzidas.
Sem contar as tentativas de obter recursos não públicos que se sucedem, desconsiderando que as atividades do órgão oficial de informação, financiadas por tais recursos, correm o risco de ser moldadas por interesses alheios aos que justificam a existência institucional, pondo em risco o próprio IBGE.
À revelia dos técnicos, a mais recente candidata a inovação — em parceria com o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) — acrescenta mais insegurança que a finada Fundação IBGE+. Trata-se do Programa Nacional de Inteligência e Governança Estatística e Geocientífica para subsidiar Políticas Públicas Preditivas. Assim, o IBGE passaria a fazer previsões.
Como na IBGE+, o objetivo é “estimular o desenvolvimento de novos negócios no mercado privado”, além do que o IBGE se comprometeria “a fornecer as informações e dados necessários para a execução das atividades e coordenar a comunicação com outras unidades governamentais”.
O IBGE, bem como todos os institutos oficiais, segue as boas práticas recomendadas internacionalmente. Não faz previsões, uma vez que sempre existe a possibilidade real de não se verificarem e incitarem as alegações de interesse político, visando a afetar as expectativas — consequentemente, os resultados. Por fim, mas o mais importante, podem levantar suspeição de que os resultados verificados a posteriori tenham sido manipulados para se alinhar com elas.
Em risco similar ao que pairou sobre a Fundação IBGE+, existe ameaça ao patrimônio mais valioso da instituição — a credibilidade — e ao sigilo das informações, que teriam de ser compartilhadas, no mínimo, com o Serpro.
A atual gestão do IBGE demonstra, mais uma vez, que pode ser descrita por uma famosa frase de um antigo economista: propõe coisas boas e novas, mas as boas não são novas, e as novas não são boas.
*Wasmália Bivar, economista, foi presidente do IBGE