Inflação corrói orçamento e preocupa execução do Censo

Valor nominal é o mesmo de 2019 e perda real supera R$ 300 milhões

Mesmo com o comprometimento do governo federal com os r$ 2,293 bilhões para o orçamento do censo demográfico 2022, após longa batalha para os recursos que perdurou até recentemente, ainda há preocupações em relação ao valor do projeto. Ex-presidentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), representantes do sindicato e até o próprio diretor de pesquisas do Instituto apontam para possível impacto da inflação na operação. O montante agora está em linha com o definido em 2019, de r$ 2,3 bilhões, quando ocorreu a primeira redução do orçamento, na chegada da então presidente do instituto, Susana Cordeiro Guerra. Só que a inflação acumulada entre julho de 2019 e setembro de 2021 é de 14%. Se fosse aplicado o reajuste, para manter o poder de compra, o montante chegaria a R$ 2,622 bilhões.

O orçamento apertado aumenta o temor de riscos para o fluxo de pagamento de recenseadores, a boa qualidade dos dados coletados e a cobertura dos domicílios, apontam os entrevistados. Por ser uma operação de grande porte – realizada em cerca de 71 milhões de domicílios nos 5.570 municípios brasileiros, com mais de 200 mil trabalhadores temporários -, são naturais os imprevistos, mais difíceis de serem contornados quando há pouca margem no orçamento, apontam especialistas.

Até o próprio IBGE citou, em nota técnica já divulgada em que detalhou o orçamento a pedido do Supremo Tribunal Federal (STF), a inflação acumulada de 10,45% entre janeiro de 2020 e agosto de 2021 e a expectativa para 2022.

“É uma situação delicada, mas o orçamento aceito pelo ibge de R$ 2,3 bilhões já seria insuficiente naquele momento [2019]. Agora, ainda temos a inflação acumulada desde então, para não falar da inflação desde 2010, quando o censo custou R$ 1,5 bilhão. Estou falando de fora, não dá para afirmar que vai dar certo ou errado, mas será um censo mais complexo”, afirma o ex-presidente do ibge Eduardo Pereira Nunes.

Na gestão anterior à de Susana, o projeto era de R$ 3,1 bilhões, mas o ministro da economia, Paulo Guedes, questionou o valor por causa da necessidade de cortes de recursos e cogitou vender um dos prédios do IBGE para financiar o censo. Logo depois, ela reduziu para R$ 2,3 bilhões, principalmente com gastos com pessoal, com número menor de recenseadores e de supervisores, além de diminuir o tamanho do questionário, cortando perguntas como o rendimento do domicílio e o comprometimento da renda com aluguel, mudança que gerou polêmica.

No projeto de lei orçamentária anual (PLOA) de 2021, o governo federal destinou R$ 2 bilhões para o projeto, mas nem esse valor foi confirmado na votação no congresso. Recentemente, no PLOA de 2022, novamente foi orçado em apenas R$ 2bilhões. Mas após intervenção do STF o governo acabou solicitando ampliação do valor em R$ 293 milhões. Em nota ao valor, o ministério da economia informou que somente após a aprovação final do PLOA 2022 pelo congresso e sua posterior sanção “será possível afirmar qual será efetivamente a dotação com a qual o ibge poderá contar no orçamento do próximo ano para o censo”.

Mas mesmo com os R$ 2,3 bilhões há preocupação porque o valor está defasado devido à inflação acumulada no período. E isso sem considerar a continuidade de uma inflação pressionada à frente, em 2022, como mostram as projeções de mercado. A coleta do censo começará em 1º de junho, ou seja, ainda haverá um período de cinco meses para impacto da alta de preços em 2022.

Presidente do ibge até 2019, Roberto Olinto também alerta para o efeito da inflação, lembrando que o valor de R$ 2,3 bilhões já era uma redução e estava a preços de 2019. Agora, se fosse ajustado, seria um valor bem maior. Além disso, cita os gastos adicionais com equipamentos de segurança para a equipe em campo em razão da pandemia e com publicidade, ainda mais importante neste momento.

“Queremos um censo de qualidade, mas me parece um pouco irreal fazer com R$2,3 bilhões com todos os custos implícitos. Com a pandemia, tem um custo adicional de equipamentos de proteção que não estava incluído e é preciso mais propaganda”, argumenta.

Ao comentar o resultado do teste do censo em paquetá, no mês passado, o próprio diretor de pesquisas do ibge, Cimar Azeredo Pereira, admitiu que a inflação pode afetar a organização da operação.

“Não se previa uma pandemia e temos que nos virar com ela. No caminho daqui até chegar ao censo, pode ter uma série de percalços que a gente tem que ter experiência para lidar. [… ] tem a inflação… Quando fez uma licitação lá atrás, agora o valor do combustível [está maior], que acaba afetando toda a cadeia”, disse ele, admitindo a possibilidade de renegociações de contratos. “então pode ter que conviver com isso. Pode acabar tendo que haver repactuação, renegociação. Isso tudo está dentro das expectativas em um momento pandêmico”, afirmou ele.

Em nota enviada ao valor ontem, o ibge ressaltou que, no planejamento dos censos, leva em consideração a possível depreciação do orçamento, entre seu planejamento e sua execução. “Esse fator também foi considerado no planejamento do próximo censo, apesar dos percalços ocorridos”, diz o texto.

Na avaliação de Dione Oliveira, diretora da executiva nacional do sindicato nacional dos trabalhadores do ibge (ASSIBGE), a inflação reforça o risco de um censo que será realizado com pelo menos R$ 800 milhões a menos que os recursos previstos inicialmente.

“A inflação subiu no período, temos os gastos a mais com equipamentos de segurança e a necessidade de uma campanha ampla de propaganda, por causa dos cuidados na pandemia. Seria necessário mais orçamento, e não a manutenção de um valor que já tinha sido reduzido. O censo é uma operação de guerra e é perigoso que o valor não cubra todos os custos”, pondera.

Fonte: Valor Econômico