por Júlio Dutra
A proposta de reforma administrativa levanta um debate essencial: a quem ela realmente serve? Sob o pretexto de modernização e flexibilidade de gestão, surge uma crítica contundente quanto ao seu impacto sobre o serviço público e, por consequência, sobre os direitos dos servidores e a eficiência do próprio Estado.
Historicamente, o funcionalismo público brasileiro já possui mecanismos de avaliação de desempenho, estabelecidos e aprimorados em carreiras específicas, como a Ciência e Tecnologia. A Lei nº 8.112/90, por exemplo, já prevê instrumentos para lidar com desempenho insatisfatório, através de processos administrativos com garantias de contraditório e ampla defesa. Esses procedimentos, juntamente com o estágio probatório, sempre asseguraram um equilíbrio entre eficiência e direitos dos servidores, promovendo melhorias sem comprometer as carreiras.
Durante 10 anos à frente da Coordenação de Recursos Humanos do IBGE e na presidência da Comissão Interna de Ciência e Tecnologia (C&T), tive a oportunidade de implementar práticas eficazes com base nas Resoluções do CPC (Conselho do Plano de Carreiras de Ciência e Tecnologia). Nessa posição, vi como a aplicação adequada dessas resoluções pode fortalecer e não desmantelar o serviço público. A experiência prática demonstrou que, com uma gestão bem estruturada, é possível alcançar modernização real sem sacrificar a estabilidade dos servidores.
A proposta atual, por outro lado, parece focar em medidas que, na prática, tendem mais à fragilização dos quadros públicos do que à efetiva modernização. Substituir servidores de carreira por contratados eventuais é atacar o problema pela raiz errada. A verdadeira eficiência administrativa reside na gestão otimizada e em uma política de valorização dos servidores, não na sua substituição indiscriminada. Esta política atual, pautada em princípios de um liberalismo não debatido suficientemente com a sociedade e as instituições envolvidas, parece mais atender a interesses externos ao serviço público do que à real demanda por melhorias internas.
As leis e resoluções ligadas ao setor de Ciência e Tecnologia exemplificam um caminho possível: o da inovação integrada ao serviço público, sem desmonte estrutural. Normas como a Lei nº 10.973/2004 e o Marco Legal da CT&I (Lei nº 13.243/2016) ilustram possibilidades de progresso e eficiência pela via da capacitação e incentivo à pesquisa, em vez de uma precarização das condições de trabalho.
A crítica se intensifica quando se percebe o impacto potencial dessa reforma em aposentados e aposentandos, ameaçando a estabilidade conquistada com anos de serviço dedicado. A discussão aqui não é apenas sobre eficiência, mas sobre a qualidade e continuidade no exercício de funções essenciais para o servidor e para a sociedade.
Portanto, precisamos reavaliar se a verdadeira modernização não seria alcançada pela valorização do serviço público, da mesma forma que se cultiva o capital humano em iniciativas de ciência e tecnologia. A proposta atual, talvez por sua falta de clareza e debate, merece uma reestruturação que realmente considere o papel vital dos servidores na manutenção e aprimoramento do Estado. Vamos lutar por mudanças que reflitam uma modernização autêntica e inclusiva!
Dr. Júlio Dutra, Advogado, Jornalista, escritor e servidor público aposentado; Rio de Janeiro, RJ – 16-10-25 – 09:54am